segunda-feira, 30 de março de 2009

"Censura total no Irã é inviável", diz cineasta

18/02/2009

RAUL JUSTE LORES
enviado especial da Folha de S. Paulo a Teerã


Considerado o cineasta mais político e crítico do Irã, Jafar Panahi, 48, está há quatro anos sem filmar. "Desde que Ahmadinejad chegou ao poder, não consigo aprovação da censura para meus roteiros", diz.
Só seu primeiro filme, "O Balão Branco" (1995), premiado em Cannes, foi exibido no país --os demais foram proibidos. Ao fazer um drama vigoroso sobre os maus-tratos às mulheres iranianas em "O Círculo" (2000), que ganhou o Leão de Ouro em Veneza, virou o cineasta maldito do regime.
Ele lutou na Guerra Irã-Iraque como soldado, foi assistente de Abbas Kiarostami em "Através das Oliveiras", e tem uma coleção de prêmios --Leopardo de Ouro em Locarno por "O Espelho" (1997) e Urso de Prata em Berlim por "Fora do Jogo - Offside" (2006).
Neste último, ele enfoca garotas que se vestem de homens para poder assistir a um jogo de futebol (mulheres são proibidas de frequentar a estádios).
Panahi já esteve três vezes no Brasil, onde todos seus filmes foram exibidos. Ele recebeu a Folha em seu apartamento em Teerã, enquanto assistia à nova temporada de "24 Horas". "Já que não me deixam filmar, assisto a seriados americanos". Leia trechos da entrevista.
Censura e Ahmadinejad

"Desde que Ahmadinejad chegou ao poder [em 2005] não consigo filmar. Há quatro anos não tenho autorização. Todas as minhas ideias e roteiros são rejeitados pelo governo. Sem permissão, você não filma. Os cinemas só exibem o que o governo deixa, e os sete canais de TV são estatais. É um monopólio. Mas não foi só o cinema que piorou com Ahmadinejad, muitas outras coisas pioraram."

Sistema ideologizado

"Não faço cinema político, faço cinema social. O filme político diz quem é bom e quem é ruim, como os partidos políticos. Quem concorda com eles é bom, quem discorda é ruim. O problema é que tudo faço aqui é visto como político. Em um sistema tão ideologizado, se você não concorda com eles, não frequenta os eventos do governo, você vira político. No cinema social, não tem preto, branco, tem cinza."
Filmes com crianças

"Todos os meus filmes foram proibidos no Irã, com exceção de "O Balão Branco". Mesmo antes da Revolução Islâmica, cineastas driblavam a censura fazendo filmes com crianças. A censura não dá bola para filmes com crianças. Mas eles falam de temas adultos. São "com" crianças, não para crianças."
Mulheres e limites
"Decidi não voltar a filmar com crianças em "O Círculo". Gosto de falar de limites, obstáculos, então era natural fazer um filme sobre as mulheres iranianas. Causou muita polêmica, todos os jornais estatais me atacaram. O governo queria que eu cortasse 18 minutos de cenas "inconvenientes" e não aceitei. A partir daí, meus filmes não puderam ser exibidos nos cinemas daqui.'
Parabólicas piratas
"Os iranianos acabam vendo meus filmes pelas cópias piratas, a US$ 1, que são vendidas em todo o canto. Apesar de proibidas, eu diria que 90% dos iranianos têm parabólicas hoje, dos mais ricos aos mais pobres. Todo o mundo vê canais internacionais de televisão, o controle da informação ficou difícil. O governo teria que prender o país inteiro."
Revolução errada
"Jovens não poderiam ser jovens pela lei do Irã --tudo é tão surreal que para onde você olhe, há ideia de um novo filme. Sou otimista com a nova juventude, que não aceita certas imposições do governo e as está driblando. Minha geração fez a revolução, ajudamos a derrubar o xá, mas logo percebemos que essa revolução estava errada. Saímos de um regime sem democracia para outro. Não mudou o fundo. A nova geração não quer mais revolução."
Exílio e comércio
"Muitos cineastas imigraram, alguns estão fazendo outras coisas. Recebi uma proposta de Hollywood. Talvez aceite. Hoje, no Irã, há um ou dois filmes bons por ano, aprovados pelo governo. Mas 99% do cinema iraniano é comercial. Divide-se em dois tipos: garota sofrida se apaixona por garoto, passam por desencontros e terminam juntos. Ou homem casado conhece outra e fica com duas esposas. Tudo sem beijo."

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br

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