segunda-feira, 30 de março de 2009










Cena do filme "O Império dos Sentidos" (1976), do diretor japonês Nagisa Oshima
12/12/2008
ILUSTRADA 50 ANOS: 1990 - "Império dos Sentidos" é censurado no Brasil
'Império' sofreu veto 4 anos antes de chegar ao Brasil", assinado por Wilson Silveira e Cristina Grillo, foi publicado originalmente quarta-feira, 30 de maio de 1990.
O processo de censura do filme "O Império dos Sentidos", do diretor japonês Nagisa Oshima, foi aberto quatro anos antes que o filme chegasse ao Brasil. Hoje em poder do Arquivo Nacional, como parte do acervo da Censura Federal, o processo inclui pareceres de 12 pessoas que sequer haviam visto o filme e ainda assim pediram sua proibição. O arquivo, ao qual a Folha teve acesso com exclusividade, reúne 94.100 processos de censura, que vai de 1962 a 1988.
A história de "Império dos Sentidos" começou com uma reportagem sobre o filme publicada em agosto de 1976 pela revista Manchete. Com base na reportagem, o Juizado de Menores de São Paulo reuniu 14 pareceres de comissários de menores, dos quais apenas dois não sugerem a proibição. "É uma história terrível, uma loucura sexual", disse um dos pareceres, assinado por Maria Alice Sampaio Rezende e Armando Sampaio Rezende. "A moça não é normal, ao se colocar em cima do amante no ato sexual", afirmaram.
Na Censura, ""O Império dos Sentidos" recebeu seis pareceres, todos pela interdição. "É obra cinematográfica de enredo chocante e de mensagem duvidosa", disse a censora Teresa Marra. "A película em seu todo torna-se nociva à nossa sociedade", afirmou Telmo Lino. O filme foi submetido à Censura em fevereiro de 1980, proibido em maio e liberado em setembro, após recurso ao então recém-criado Conselho Superior de Censura, que dificilmente mantinha uma proibição.
Os arquivos da Censura contêm correspondências e recibos que revelam o empréstimo de filmes "subversivos" a escolas militares para treinamento antiguerrilha. O mais solicitado foi "Batalha de Argel" (1965), dirigido por Gillo Pontecorvo, proibido em 1968. Entre um empréstimo e outro, ele ficou desaparecido por três anos. Também eram emprestados "Z" (1969), de Costa-Gavras, e "Sacco e Vanzetti" (1971), de Giuliano Montaldo, entre outros.
As justificativas para a proibição de filmes eram variadas. De "Z", a censora Maria Luiza Cavalcante disse que "não serve no momento aos interesses nacionais". Em "Rebeldia" (1969), sobre a Guerra do Vietnã, as "mensagens negativas" superavam em número as "positivas". "Os Capitães de Areia", baseado em livro de Jorge Amado, fazia "propaganda contra o Brasil no exterior" e deturpava "a verdadeira imagem de nosso país", segundo a censora Hellé Carvalhêdo.
Nem sempre as opiniões coincidiam na Censura. Havia proibições ou cortes sugeridos por censores que eram considerados irrelevantes pelo diretor da Divisão, que dava a última palavra no âmbito da Censura. E havia filmes liberados pelos censores e proibidos pelo diretor da Divisão ou pelo diretor da Polícia Federal, que dava a última palavra no âmbito da Polícia Federal.
Em geral, as chefias davam seus pareceres antes do fim da tramitação dos processos. Mas há casos em que o diretor da Polícia Federal só resolveu opinar depois que os filmes estavam em cartaz, e, por isso, foram apreendidos. É o caso de "Sopro no Coração" (1971), "Sacco e Vanzetti" e "Toda Nudez Será Castigada" (1973).
"Sacco e Vanzetti" foi liberado em julho de 1973, para maiores de 18 anos. Os censores que o analisaram consideraram sua mensagem positiva, porque "estimulava a união entre os povos". Um mês depois, portaria do então diretor da PF, general Antônio Bandeira, cassou a liberação. Houve recursos e novamente os censores opinaram pela liberação, mas Bandeira manteve a proibição. O filme foi liberado em dezembro de 1979 pelo Conselho Superior de Censura.
Um dos poucos filmes cuja proibição foi mantida pelo Conselho Superior de Censura foi "Saló ou os 120 Dias de Sodoma" (1975), de Pasolini. Ele foi proibido pela Censura em julho de 1981 e levado ao Conselho, em grau de recurso, em setembro. Ele seria liberado para salas especiais, mas como elas ainda não existiam no país, o veto foi mantido. O filme foi exibido após o fim da Censura, em 1988.
Criado no período de abertura política, o Conselho Superior de Censura tinha por norma classificar filmes por faixa etária, revogando proibições. O relator de "O Império dos Sentidos", João Emílio Falcão, disse em seu parecer que a Censura tratava a população como uma nação de incapazes morais. No entanto, disse, o Estado considera uma pessoa de 18 anos apta até para matar numa guerra. "E quem são os juízes da moral brasileira?", perguntou, passando a relatar proibições hilariantes feitas pela Censura.
Jornalista dava cursos para censores
Nos anos 70, a Divisão da Censura de Diversões Públicas recebia cursos e assessoria do então diretor-responsável da editora Abril, Waldemar de Souza. "Não há necessidade de proibir o filme de arte, basta cortar pequenas seqüências de imagem, diálogo e trilha sonora para trancar as mensagens subversivas", dizia Waldemar.
Waldemar, hoje com 71 anos, disse à Folha que colaborou com a Polícia Federal por cerca de dez anos, de graça, "tentando defender a juventude de certas ações ilegais". Ele disse que sua assessoria era necessária porque os censores eram despreparados. Ele trabalhou durante 30 anos na Abril, cerca de 20 como diretor-responsável e depois como assessor da presidência. Aposentou-se há três anos.
Todo o trabalho de Waldemar se baseava nas técnicas do diretor franco-suíço Jean-Luc Godard, que chamava de "anarquista da máquina sensorial humana" e "mestre das mensagens subversivas". No Brasil, o principal alvo era Glauber Rocha, "aluno predileto de Godard". Segundo Waldemar, "antes de 1964, Glauber já estava diplomado em subversão pelo Instituto de Altos Estudos Cinematográficos de Paris".
Em curso dado em 1972, Waldemar usou como exemplo o filme "Masculin, Féminin" (1966), de Godard. Ele cita a cena em que um casal jovem chega em casa, depois de assistir a um suicídio de protesto, e encontra um cadáver na cama. Indiferente, a moça pede fósforos ao rapaz para acender um cigarro. Segundo Waldemar, o objetivo da cena é acostumar o jovem à violência.
Além dos cursos e palestras, Waldemar encaminhava à PF listas de diretores, produtores e roteiristas, brasileiros e estrangeiros, "especializados em mensagens subversivas". Em uma correspondência de maio de 1974, disse que forneceria nomes de cineastas brasileiros "inocentes úteis e ambiciosos".
Essa correspondência tinha o objetivo de fazer uma denúncia: "A Operação 'Contatos' de cineastas franceses esquerdistas com cineastas brasileiros para deformar as conquistas da revolução de março de 1964 vem sendo comandada por Glauber Rocha".

A ficha dos subversivos
(trechos de instruções dadas por Waldemar de Souza aos censores)

"Os filmes políticos subversivos mais exibidos em cineclubes, cinematecas, museus de arte e sessões especiais pertencem aos seguintes diretores esquerdistas (fichados), a saber:
Elio Petri (filiado ao PCI e especialista em filmes experimentais para os sindicatos italianos);
Francesco Rosi (filiado ao PCI);
Michelangelo Antonioni (Movimento Mao Tsé-tung italiano);
Pier Paolo Pasolini (ex-líder da Juventude Esquerda);
Bernardo Bertolucci (Prima della Revoluzione);
Jean-Luc Godard (Esquerda Maoísta);
Claude Chabrol (idem, Cahiers du Cinéma);Jean Rouch (escola Dziga Vertov e Movimento Eisenstein);
Costa-Gavras (Esquerda Maoísta de Paris);
Mário Sábato (Esquerda Universitária F.U.A.);
Otávio Getino (Esquerda Universitária F.U.B.A.).

"Godard leva seu fanatismo ideológico a um estado de verdadeira obsessão".
"As mensagens justapostas são elaboradas dentro de uma técnica revolucionária, criada e ampliada por Jean-Luc Godard, cineasta francês que se transformou em verdadeiro mestre para toda uma nova geração de cineastas a partir do ano de 1959".
"O impacto causado no cinema francês por esta revolução, encabeçada por rapazes antes de tudo terrivelmente inteligentes, foi impressionante".
"Godard quer levar o espectador a reagir ativamente diante de um filme, envolvendo-o como participante. O que importa é agir, agir, agir...".

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