segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Um ruído na Lei de Imprensa


Por Reinaldo Azevedo

A Lei de Imprensa que havia no Brasil (5.250, de 9 de fevereiro de 1967) era filha dileta da ditadura militar e, curiosamente, sobreviveu 21 anos à democratização do país, até ser extinta pelo STF em 30 de abril deste ano. Vivia-se uma situação curiosa. Boa parte do texto já não podia ser aplicada porque se chocava com dispositivos da própria Constituição de 1988, daí que o Supremo já tivesse declarado sem efeito seus dispositivos claramente inconstitucionais. Entre eles, estavam a censura a espetáculos, cadeia para jornalistas e a proibição de estrangeiros atuarem no jornalismo brasileiro.

O seminário que debateu a questão, nas comemorações dos 40 anos de VEJA, concluiu que a melhor Lei de Imprensa era mesmo Lei de Imprensa nenhuma, com o que concordaram sete dos 11 ministros do Supremo, que a declararam sem efeito, atendendo a uma representação do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). O relator foi o ministro Ayres Britto. Entendeu a maioria que a Constituição e os Códigos Civil e Penal já protegem os direitos de indivíduos, empresas e instituições que possam se sentir agravados pelo trabalho da imprensa.

Um problema, no entanto, persiste. A Constituição prevê, de fato, o direito de resposta, estabelecido na lei extinta, mas ele não está regulamentado, o que está ainda por fazer. A margem deste debate, um outro fantasma ronda o trabalho jornalístico: a censura judicial. Juízes têm impedido a publicação de reportagens, o que caracteriza censura prévia — e isso é inconstitucional — com base no fato de que certas informações derivam de processos sob sigilo de Justiça.

Compreenda-se o zelo, mas não a decisão. A imprensa não é guardiã do sigilo de questões que dizem respeito ao interesse público. Cumpre às autoridades impedir o vazamento de dados sigilosos. Repórter não pode ter um papel de auxiliar da polícia ou da Justiça. Sua tarefa é informar o que apura e sabe. Só isso. E, também nesse caso, os excessos da liberdade se corrigem com mais liberdade.

Depois desse julgamento, os juízes terão de se basear na Constituição Federal e nos códigos Penal e Civil para decidir ações criminais e de indenização contra jornalistas. A Lei de Imprensa previa penas de detenção mais rigorosas para os jornalistas que cometiam os crimes de calúnia, injúria e difamação do que o Código Penal.

O principal debate ocorreu por causa do direito de resposta. Para a maioria dos ministros, esse direito está previsto na Constituição Federal. Eles também observaram que há um projeto em tramitação no Congresso para regulamentar esse direito.

Com efeito, entre os anacronismos incompatíveis com a Constituição de 1988, há a censura a espetáculos e cana para jornalistas — isto mesmo: cadeia. E, claro, no embate com a imprensa, o privilégio é da “otoridade”. Vejam:

Art. 20. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato do como crime:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários mínimos da região.
§ 1.°. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa imputação, reproduz a publicação ou transmissão caluniosa.
§ 2.°. Admite-se a prova da verdade, salvo se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
§ 3.°. Não se admite a prova da verdade contra o Presidente da República, o presidente do Senado Federal, o presidente da Câmara dos Deputados. os ministros do Supremo Tribunal federal, chefes de Estado ou de Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos.
Art. 21. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de 3 (três) a 18 (dezoito) meses, e multa de 2 (dois) a 10 (dez) salários mínimos da região.
§ 1ª A exceção da verdade somente se admite:
a) se o crime é cometido contra funcionário público, e razão das funções, ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;
b) se o ofendido permite a prova.
§ 2ª Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público , de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele.
Art. 22. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro:
Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos da região.
Art. 23. As penas cominadas dos arts. 20 a 22 aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, Presidente do Senado, presidente da Câmara dos Deputados, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Chefe de Estado ou Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - contra órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública.

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