11/01/2010
MARCOS STRECKER
da Folha de S.Paulo
O iraniano Shahriar Mandanipour, 52, é uma testemunha privilegiada das transformações em seu país. Acompanhou a Revolução Islâmica de 1979, lutou na Guerra Irã-Iraque (1980-88) e decidiu se tornar escritor após o conflito. Aí começaram os problemas. Depois dos dois primeiros livros, passou por uma longa jornada para vencer a censura, que só acabou parcialmente em 1997.
Com a decepção, o escritor esperou uma boa oportunidade para deixar o país. Ela veio em 2006, quando recebeu um convite para um período acadêmico nos EUA. Ele se radicou no país e o resultado é o elogiado romance "Quando o Irã Censura uma História de Amor", que agora chega ao Brasil.
Criativo, fluente e bem-humorado, o livro é uma reflexão sobre a criação artística sob a censura. Ao mesmo tempo em que uma história de amor envolve dois jovens, o autor traça um painel da sociedade iraniana. O que é "censurado" permanece riscado no texto, num jogo narrativo com múltiplos autores, incluindo o censor. Uma das discussões na obra é sobre o premiado cinema iraniano. De certa forma, o livro é uma versão literária desse mesmo cinema, que embaralha a realidade com o jogo da criação ficcional. Como a entrevista a seguir demonstra, Mandanipour tem uma visão amarga sobre a forma como o regime de seu país se apropriou desse sucesso. Mas ele se mostra otimista e diz que a censura acaba inspirando os escritores.
Folha - O cinema iraniano conseguiu, com diretores como Abbas Kiarostami, obter reconhecimento internacional evitando os temas políticos. Esse é um bom caminho?
Shahriar Mandanipour - O cinema iraniano foi bem recebido no mundo porque a linguagem das imagens é universal, diferentemente da linguagem literária. Os ditadores querem mostrar ao mundo que os artistas podem se expressar livremente. Ao mesmo tempo em que proíbem um livro que fala sobre amor e liberdade e não tem tiragem maior do que 3 mil exemplares, permitem que um cineasta faça um filme artístico inofensivo, que usam para decorar a vitrine de seus regimes. Os intelectuais veem as mensagens ocultas que desejam.
Folha - Até que ponto é possível criar uma obra artística de qualidade sob censura?
Mandanipour - É uma questão difícil. Meu primeiro impulso é dizer que a censura esmaga e destrói a arte. Mas a arte de alguma forma encontra sua janela para o mundo. Não há diferença, por exemplo, entre um escritor como Scott Fitzgerald, cujas obras evocavam a era do jazz, e um autor iraniano que escreve sobre um prisioneiro utilizando código morse em sua cela para se comunicar com o vizinho. O importante é sua habilidade como artista. Ao contrário do que desejariam, os censores inspiram os artistas. Claro, não quero dizer que a censura ajuda a arte. A arte censurada é sempre miserável, mesmo sendo bela. Mas nessa miséria a arte se torna bonita para os que vivem sob o jugo da censura. É um paradoxo.
Folha - Os protestos no Irã contra o atual governo, que ganham dimensão cada vez maior, levarão o país a uma sociedade democrática?
Mandanipour - O Irã é um país estranho. Veja no mapa: parece um gato sentado. Lembre-se que um dos felinos mais bonitos do mundo é o gato persa. Com essas palavras, você pode imaginar como um escritor iraniano usa alegorias e metáforas para dizer que ele está confiante no futuro e dizer que uma janela para a liberdade e a paz no mundo vai se abrir no seu país. O gato sentado um dia vai se levantar e caçar o rato despótico.
Folha - Em seu livro você se dirige aos personagens e embaralha a narrativa do autor com a do censor. Também utiliza referências literárias. O jogo narrativo e o uso da metaficção foi intencional?
Mandanipour - O Irã tem grande tradição na arte de contar histórias. Assim como me aproprio dessa literatura, também aprendi muito com a literatura do Ocidente. Ainda tenho as raízes da metaficção em minha própria cultura.
Folha - Os seus personagens encontram-se durante um protesto na Universidade de Teerã. Até que ponto são inspirados em "Khosrow e Shirin" [história persa do século 12]?
Mandanipour - A inspiração são todos os meninos e meninas iranianas que, em 2010, não podem se apaixonar, nem andar livremente juntos ou conversar nas ruas. "Khosrow e Shirin" é uma narrativa sobre o amor, muito bonita e interessante; mais interessante que "Romeu e Julieta". Mas hoje os jovens não pensam nessa história. Seu problema, infelizmente, é saber como, quando e onde poderão viver uma bela e romântica cena de amor. Só isso.
FONTE: www.folha.uol.com.br
MARCOS STRECKER
da Folha de S.Paulo
O iraniano Shahriar Mandanipour, 52, é uma testemunha privilegiada das transformações em seu país. Acompanhou a Revolução Islâmica de 1979, lutou na Guerra Irã-Iraque (1980-88) e decidiu se tornar escritor após o conflito. Aí começaram os problemas. Depois dos dois primeiros livros, passou por uma longa jornada para vencer a censura, que só acabou parcialmente em 1997.
Com a decepção, o escritor esperou uma boa oportunidade para deixar o país. Ela veio em 2006, quando recebeu um convite para um período acadêmico nos EUA. Ele se radicou no país e o resultado é o elogiado romance "Quando o Irã Censura uma História de Amor", que agora chega ao Brasil.
Criativo, fluente e bem-humorado, o livro é uma reflexão sobre a criação artística sob a censura. Ao mesmo tempo em que uma história de amor envolve dois jovens, o autor traça um painel da sociedade iraniana. O que é "censurado" permanece riscado no texto, num jogo narrativo com múltiplos autores, incluindo o censor. Uma das discussões na obra é sobre o premiado cinema iraniano. De certa forma, o livro é uma versão literária desse mesmo cinema, que embaralha a realidade com o jogo da criação ficcional. Como a entrevista a seguir demonstra, Mandanipour tem uma visão amarga sobre a forma como o regime de seu país se apropriou desse sucesso. Mas ele se mostra otimista e diz que a censura acaba inspirando os escritores.
Folha - O cinema iraniano conseguiu, com diretores como Abbas Kiarostami, obter reconhecimento internacional evitando os temas políticos. Esse é um bom caminho?
Shahriar Mandanipour - O cinema iraniano foi bem recebido no mundo porque a linguagem das imagens é universal, diferentemente da linguagem literária. Os ditadores querem mostrar ao mundo que os artistas podem se expressar livremente. Ao mesmo tempo em que proíbem um livro que fala sobre amor e liberdade e não tem tiragem maior do que 3 mil exemplares, permitem que um cineasta faça um filme artístico inofensivo, que usam para decorar a vitrine de seus regimes. Os intelectuais veem as mensagens ocultas que desejam.
Folha - Até que ponto é possível criar uma obra artística de qualidade sob censura?
Mandanipour - É uma questão difícil. Meu primeiro impulso é dizer que a censura esmaga e destrói a arte. Mas a arte de alguma forma encontra sua janela para o mundo. Não há diferença, por exemplo, entre um escritor como Scott Fitzgerald, cujas obras evocavam a era do jazz, e um autor iraniano que escreve sobre um prisioneiro utilizando código morse em sua cela para se comunicar com o vizinho. O importante é sua habilidade como artista. Ao contrário do que desejariam, os censores inspiram os artistas. Claro, não quero dizer que a censura ajuda a arte. A arte censurada é sempre miserável, mesmo sendo bela. Mas nessa miséria a arte se torna bonita para os que vivem sob o jugo da censura. É um paradoxo.
Folha - Os protestos no Irã contra o atual governo, que ganham dimensão cada vez maior, levarão o país a uma sociedade democrática?
Mandanipour - O Irã é um país estranho. Veja no mapa: parece um gato sentado. Lembre-se que um dos felinos mais bonitos do mundo é o gato persa. Com essas palavras, você pode imaginar como um escritor iraniano usa alegorias e metáforas para dizer que ele está confiante no futuro e dizer que uma janela para a liberdade e a paz no mundo vai se abrir no seu país. O gato sentado um dia vai se levantar e caçar o rato despótico.
Folha - Em seu livro você se dirige aos personagens e embaralha a narrativa do autor com a do censor. Também utiliza referências literárias. O jogo narrativo e o uso da metaficção foi intencional?
Mandanipour - O Irã tem grande tradição na arte de contar histórias. Assim como me aproprio dessa literatura, também aprendi muito com a literatura do Ocidente. Ainda tenho as raízes da metaficção em minha própria cultura.
Folha - Os seus personagens encontram-se durante um protesto na Universidade de Teerã. Até que ponto são inspirados em "Khosrow e Shirin" [história persa do século 12]?
Mandanipour - A inspiração são todos os meninos e meninas iranianas que, em 2010, não podem se apaixonar, nem andar livremente juntos ou conversar nas ruas. "Khosrow e Shirin" é uma narrativa sobre o amor, muito bonita e interessante; mais interessante que "Romeu e Julieta". Mas hoje os jovens não pensam nessa história. Seu problema, infelizmente, é saber como, quando e onde poderão viver uma bela e romântica cena de amor. Só isso.
FONTE: www.folha.uol.com.br
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