terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Relator da ONU cobra posição do governo sobre mordaça no jornal

Planalto ignorou carta das Nações Unidas, que agora preparam comunicado público expressando preocupação

Jamil Chade, Genebra

A censura imposta ao Estado é um tema para as Nações Unidas questionarem o governo brasileiro. O relator da ONU para defesa da liberdade de expressão, Frank La Rue, enviou ao Itamaraty carta pedindo explicações sobre a mordaça no jornal e cobrando solução do caso.

Em sua avaliação, foi "terrível como precedente" a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada na quinta-feira passada, que manteve a censura. "Qualquer obstáculo ao trabalho da imprensa é um ato antidemocrático", disse o relator.

Desde 31 de julho, o Estado está proibido de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigou e indiciou o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Na reclamação ao STF, o Estado afirmou que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal instaurou a censura judicial, proibida pela Constituição. O recurso foi arquivado por 6 votos a 3. O jornal vai recorrer.

A reportagem apurou com fontes da ONU que a carta foi enviada antes da decisão do STF. Mas até agora foi ignorada pelo governo, que não prestou informações. Os relatores de Direitos Humanos da ONU têm como mandato fiscalizar e avaliar a situação de diversos temas em todos os continentes. O instrumento que contam para pressionar por mudanças é o diálogo com os governos e a capacidade de influenciar a opinião pública mundial.

Tradicionalmente, quando um relator identifica problema num país, envia carta cobrando explicações. Tanto o envio da carta como seu conteúdo são mantidos em sigilo. Foram os próprios governos que elaboraram os códigos de conduta para atuação dos relatores da ONU.
Outro instrumento dos relatores é o de "envergonhar" publicamente um país, ao emitir um comunicado internacional expressando a preocupação. La Rue, um guatemalteco que ocupa o posto de relator na ONU há pouco mais de um ano, não revela o conteúdo da carta nem a data em que foi enviada. Mas, diante do silêncio do governo e da decisão do STF, ele admite que seu próximo passo em relação à censura ao Estado será emitir um comunicado público.

Para o relator, governos precisam acabar com leis que dão proteção a políticos e servidores públicos e impedem a transparência de seus atos. "Essas leis são da época em que monarquias mandavam. Não podemos continuar assim. O escrutínio e a vigilância da sociedade sobre políticos e funcionários públicos não podem ser criminalizados", disse. "Servidores devem ser transparentes, o que significa aceitar a vigilância pública." Para o relator, deve ser obrigatório que homens públicos esclareçam seus atos.
Em maio deste ano, a ONU divulgou dez cartas - antes mantidas sob sigilo - enviadas ao Brasil em 2008, alertando para casos de jornalistas e pessoas "silenciadas". As cartas pediam informações sobre o que estava sendo feito para proteger as vítimas e punir os culpados. O Brasil só respondeu a duas delas.

Em janeiro de 2008, a ONU enviou comunicado sobre o assassinato do cinegrafista Walter Lessa, da TV Assembléia em Maceió (AL), depois de reportagens sobre tráfico de drogas. Outro caso foi a emboscada contra Edson Ferraz, da TV Diário, em Mogi das Cruzes (SP), após denúncias de corrupção policial. Em junho, outra carta pedia explicações sobre ataques ao Diário do Amazonas, cujo prédio foi metralhado. "Há uma preocupação de que o incidente seja uma tentativa direta de impedir a liberdade de expressão no Brasil", afirmou a ONU.

FONTE: www.estadao.com.br

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